domingo, 4 de janeiro de 2009

Para Cleo com carinho

Cigarro (Zeca Baleiro)

A solidão é meu cigarro
Não sei de nada e não sou de ninguém
Eu entro no meu carro e corro
Corro demais só pra te ver meu bem
Um vinho, um travo amargo e morro
Eu sigo só porque é o que me convém
Minha canção é meu socorro
Se o mar virar sertão, o que é que tem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem...
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu
O amor é pedra no abismo
A meio passo entre o mal e o bem
Com meus botões a noite cismo
Pra que os trilhos, se não passa o trem?
Os mortos sabem mais que os vivos
Sabem o gosto que a morte tem
Pra rir tem todos os motivos
Os seus segredos vão contar a quem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu.








 Zeca Baleiro - Cigarro

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

PARA MEU AMIGUINHO CARLINHOS

Gosto muito deste clip do Arnaldo Antunes

Qdo vejo, lembro da música da Amdrea Dias; Linfa Ácida






segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A Flor Máis Grande do Mundo (José Saramago)

Ensaio sobre a Cegueira

Achei essa crítica sobre o filme muito interessante e muito perto do que apreendi do filme.
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness),
de Fernando Meirelles (Brasil/Canadá/Japão, 2008)
por Cléber Eduardo

Entre o apagamento da visão e o apagamento da imagem

Uma cidade acinzentada, sem cores, e um sinal vermelho. Pare! O sinal muda para o verde, mas, na cidade sem cores vivas, os carros permanecem parados. Um oriental pára de enxergar. Não consegue mais deslocar-se com seu carro. Cegueira branca, cegueira da visão ofuscada, cegueira do excesso de imagens. Antes do anúncio da cegueira, antes do sinal verde, vemos um anúncio de revista. Um sinal somado ao sinal vermelho que tem como resultado a cegueira. A + B = C.

Não deixa de ser curiosa a relação por oposição entre o filme transnacional de Meirelles e o filme paulistano de Walter Salles, Linha de Passe, no qual ao final ouvimos uma voz ordenar a si mesmo, aos personagens próximos e ao próprio espectador para se “andar”. Um chamado ao deslocamento e contra o imobilismo. O sinal vermelho em primeiro plano no começo de Blindness, seguido do início da epidemia de cegueira, parece nos levar ao avesso do mantra ao final de Linha de Passe. Em vez de “anda, anda, anda”, em forma de som, vemos o “pare, pare, pare” em forma de imagem. Um sinal. Salles chega a seus propósitos pelas vozes; Meirelles, pelos sinais. Ao final, quando se olha para a cidade ao fundo, não sabemos se nos diz “continue”, irmanando-se com o “anda” de Salles e constatando uma transformação, ou se nos sussurra “não há como continuar”, e que ter visão não é tão diferente de estar cego.

Entre o primeiro plano, do sinal; e o plano final, da cidade, há um problema cinematográfico. Ensaio Sobre a Cegueira, o filme, é esse problema de cinema desde a decisão de Fernando Meirelles de adaptar Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago – e não porque o livro tenha um estilo particular ou ofereça dificuldades para o cinema. Seu problema não é de adaptação, por priorizar a ação em detrimento do fluxo mental da espera, por valorizar o “agir” sobre o “sentir”, ou ainda a alegoria indefinida sobre a experiência em determinado lugar. Não é de adaptação se fugirmos da noção de uma boa adaptação, seja qual noção for, se de fidelidade a um espírito do original, ou de transcriação a partir de uma matriz. É questão importante, claro, mas também inibidora. Porque um filme, antes de ser uma adaptação, é um filme. Valorizar o agir e a alegoria é característica da proposta deste Blindness e, se decidirmos condená-la de antemão, sem entender como se articula no filme e com quais efeitos, estaremos interditando o filme de Meirelles, sem levá-lo em conta tal qual é. E Blindness, com todos os questionamentos possíveis de se fazer às suas articulações, opta em ser, sim, um filme de ação, não de espera, e um filme alegórico, não imerso em uma experiência determinada, mas a partir dessa experiência.

Seus problemas cinematográficos, portanto, são menos de visão de cinema, ou mesmo de visão de mundo, mas de visão no próprio filme, com sua visão de cinema e de mundo. Um problema de instância narrativa. Se nos parece claro que a interdição é um mal necessário (o sinal vermelho, a cegueira), quase uma punição, mesmo sendo colocada no filme de maneira um tanto “nebulosa” (ou míope), a questão está na posição da instância narradora diante dessa interdição, dessa punição e das conseqüências desse processo. Qual a visão do filme para o que é mostrado em quadro? Como constrói essa visão sobre a perda da visão? Qualquer pergunta aos sons e imagens, ou mesmo qualquer pergunta feita a qualquer filme de Fernando Meirelles, não terá respostas confiáveis na diegese. E não há garantia alguma de que soluções expressivas importantes para o filme, para o bem ou para o mal, sejam frutos de uma certa aleatoriedade intuitiva, não de um pensamento para a imagem ou de uma imagem pensante.

Que imagens escolher para filmar uma epidemia de cegueira em uma grande cidade contemporânea (na qual todos falam inglês)? Apenas filmar as pessoas movimentando-se com dificuldade, tropeçando, dando esbarrões e olhando para o horizonte perdido, ou introjetar a cegueira na própria imagem do filme? Para onde direcionar o caráter simbólico de uma epidemia de cegueira branca? Como os novos cegos reagem a uma situação na qual caminham e agem no branco total (sem alusões a marcas de sabão em pó)? Essas questões passam por escolhas estéticas geradas pela necessidade de se gerar imagens para personagens sem visão, mas também por escolhas dramáticas, semânticas e políticas, no sentido de se organizar os sentidos da cegueira geral e dos efeitos dela no comportamento das pessoas. Temos de ter em vista a forte conotação da visão como metáfora de consciência, ou da imagem como entrave a essa consciência, desde pelo menos a projeção das sombras na caverna de Platão. A visão engana ou a visão revela? A visão é cegueira ou a visão é a luz? O excesso de visão não é a cegueira?

Comecemos pela opção de tingir a tela de branco em determinados momentos. Essa operação torna o filme cego como os personagens, amalgamando-se a eles, mas, em mais de uma situação, o fundo branco do plano volta a ser imagem de algo, de um ambiente ou de uma cidade (plano final), como se o filme voltasse a enxergar para além dos personagens. Não há adesão ao branco total de forma radical, mas circunstancial, algo talvez compreensível se levarmos em conta, como não podemos deixar de levar, o fato de uma única personagem ainda enxergar. Será ela a mediadora? Essa operação de aproximação e distanciamento em relação à visão dos personagens é esboçada logo nos primeiros minutos, dentro de um carro em movimento, quando o virtuosismo visual nos mostra uma diegese de imagens quase abstratas, não porque haja ausências, mas por conta dos excessos, seja do fluxo por imagens não definidoras de nada, seja das alterações nos planos ou dos planos.

Em outros dois momentos, a voz de um dos personagens começa a narrar sentimentos e acontecimentos, virando uma voz off do filme e no filme, embora esse personagem seja menor na narrativa. Como ele sabe mais? Não deixa de ser contrastante que, diante de um mundo todo branco para quase todos, a voz do negro saiba mais. Seria o filme vítima do próprio fenômeno contemporâneo mostrado em quadro? Estaria cego por querer ver demais, não como pensava Vertov (ver melhor com o olho-máquina), mas “um demais” puramente quantitativo, sem necessariamente foco e uma pauta racional? Essa voz surgida do nada não seria mais um sinal da falta de lógica a reinar sobre aquele mundo e sobre a própria dinâmica do filme? Estar cego não é caminhar sem clareza do percurso e esbarrar em objetos ou corpos pelo caminho? A desorientação não é compartilhada por personagens e instância narradora?

No entanto, o filme não é sobre si mesmo ou sobre a imagem contemporânea, mas sobre aqueles personagens sem visão, que, sem saber a razão da epidemia e sofrendo no estômago a estratégia de confinamento do Estado, ainda lidam com a tirania de alguns outros cegos. A situação-limite parece não produzir um “novo homem”, despido de valores culturais e regulado pela sobrevivência (ausência de regulação), mas somente potencializar características do homem quando, em alguma medida, está despido de sua formação cultural. Temos nesse jogo de forças o personagem do oftalmologista, especialista em visão, líder natural da turma confinada em um “campo de concentração tratado como imagem do inferno”, que entra em embate de cara com o líder da turma avessa a regulações. A falta de regras e de organização, contudo, produz uma tirania bárbara, com direito a cobranças de impostos, primeiro com objetos de algum valor, depois com o próprio corpo das mulheres. A contingência produz o bárbaro ou, de forma mais ontológica, o bárbaro é bárbaro em si mesmo, precisando da contingência apenas como pretexto?

Essa questão nos propõe um retorno a Cidade de Deus, sobretudo ao jogo de valores entre Buscapé e Zé Pequeno, um vacinado contra qualquer gesto do “mau”, o outro incapaz de sair desse registro maniqueísta. Também podemos ser remetidos a Jardineiro Fiel, especialmente ao protagonista na parte final, que, saído de sua cegueira, tem de agir no sacrifício ao ganhar a luz da consciência. Em Cidade de Deus, pobres se auto-dizimam. Em Jardineiro Fiel, os europeus manipulam, como se agissem com ratos, a população de um país africano. Em Blindness, não há mais diferença de classe e de status social possíveis, porque, diante da falta da visão, nenhuma imagem mais pode diferenciar uns e outros. O que os determina, no fundo, é o nível de solidariedade. Há quem estenda a mão e há quem tire vantagem de alguém em necessidade.

E há quem enxergue. Seria a única personagem com visão vacinada contra a cegueira ou exclusivamente apta a guiar os demais pela brancura total? Essa personagem com visão, que poderia ser aproximada dos intelectuais impotentes e abertos ao sacrifício dos filmes dos anos 60 (brasileiros ou não), carrega algumas das principais chaves do filme. Por ser a única a enxergar, por ver o espaço e ver as pessoas, ela leva algumas vantagens, claro, mas, também por isso, precisa se fingir de cega. Enxergar pode ser perigoso. E cruel consigo mesmo. Porque quem enxerga tem tarefas morais, tem de fazer uso seu diferencial e, embora ao final o narrador ocasional nos informe sobre o aparente desejo dela de ficar cega, para mais nada ver, a personagem de visão antes age: tanto limpa seu mundo da tirania como briga como animal por comida para sua turma de zumbis vivos e cegos. A luz como razão, aos poucos, vai se tornando trevas. Será necessário agir como cego, com instinto, sem as bases da cultura e das regulações quaisquer (legais, éticas e morais), de modo a se resistir ao fenômeno coletivo.

Na imagem final dessa personagem com visão, portanto, está uma das nebulosidades de Blindness. Um plano subjetivo. Ela olha para céu, vemos apenas o branco, mas a câmera, talvez acompanhando o movimento de cabeça da personagem, desce do céu para a cidade ao fundo, saindo do branco para a imagem. Essa imagem seria o retorno à normalidade? Mas que normalidade pode ser possível após a destruição de tantos paradigmas em tão pouco tempo e com a revelação da solidariedade como sentimento e como ação em extinção em um mundo de excessos transformado em mundo de faltas? Blindness termina com a imagem de uma cidade morta.

Há uma doença naquele mundo, como havia em A Peste, de Luiz Puenzo, baseado em Albert Camus, outra operação transnacional na América Latina, coincidentemente também marcado pela contaminação de uma população. Podemos ainda pensar em Tempo de Lobos, do alemão Michael Haneke, com sua ação confinada em um trem e no entorno da embarcação, com personagens a espera de uma saída para uma situação sem luz. E também há possibilidade de se fazer uma conexão com a fase anos 90 de Wim Wenders, sobretudo Até o Fim do Mundo. A referência mais recente é Fim dos Tempos, de M Night Shyalamalan, guardadas as diferenças abismais. Shyamalan é um cineasta primoroso no cultivo da expectativa e da tensão. Embora seja preocupado demais com explicações para seus mistérios, atenuando a força desses mistérios, há um investimento convicto no envolvimento do espectador pelos efeitos do enigma e pelo enigma em si.

Essa não é uma questão para Blindness. Já começando no meio da cegueira, sem apresentação de personagens (com ligeira exceção para o casal central), o filme só se interessa pelos efeitos do fenômeno. Não existe um antes ameaçado pela epidemia. O antes é o antes do filme, é nossa própria vida e nosso próprio mundo. No filme, só há o depois da cegueira, quase uma ilustração de algo aparentemente a ser transmitido como sentido, embora esse sentido não esteja claro. Isso diminui bastante a “humanidade” do material e acentua seu caráter simbólico. Que relações podem ser construídas com essa cegueira e com esses efeitos de cegueira? Se há inegável caráter político nesse material, ainda mais quando aponta suas câmeras para imagens relacionadas ao consumo (marcas/grifes, por exemplo), ainda mais quando passa um marcador de textos (de imagens, no caso) em circunstâncias de “acúmulo” e de “roubo”, esses elementos explicitamente significantes não se tornam significativos, justamente, porque há uma indecisão entre se fazer um filme-sensação do mundo e fazer um filme sobre a visão para esse mundo.

Em dados momentos, corpos e objetos são apagados do espaço por uma operação do filme, não de fenômenos internos, e esse apagamento da instância narradora, que faz desaparecer as imagens criadas por si mesma, parece sintomático. Porque a até então aparente aproximação do filme com a cegueira dos personagens passa a ser uma cegueira imposta pelo filme a nós, tendo em vista que não é um apagar de imagens para os personagens, caso da cegueira, e sim um apagar de corpos no filme para o espectador. Portanto, Blindness não é um filme cego, vítima de um processo, mas um filme que produz a cegueira. E o que quer apagar? Para que? São questões que, nesse e em outros filmes de Meirelles, exceção feita ao quase pedagógico Jardineiro Fiel, nunca têm respostas – ou não nos filmes, pelo menos.

Setembro de 2008

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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Maravilhoso